30 abril 2012

Kristina Rungano (1963-)

Vocation
My past still forms images in my mind’s memory.
I sit on a rock at dusk.
In the distance is the sound of laughter;
Male voices, female voices and sweet music.
The soft tingle of glass on glass and merriment.
In my mind the fantasies of being a lady of the world live on;
Images of a warm room,
And people dancing in each other’s arms
I am intoxicated by fun ecstasy.
And every time I remember this I am revisited by a soft voice
And the warm breath that gently brushed my ear
Whispering in divinity’s caress,
And how they mingled with the sound of dusk
And the song of the lone bird that sang somewhere amidst the green shrubs
I am not quite sure – but I think it was a cuckoo.
Only one thing remains certain:
I’ll never forget those words,
I’ll never forget them for they have since chauffered my life,
I’m sure, I’ll never forget that moment up on a rock at dusk.

Vocação

O meu passado ainda forma imagens na memória da minha mente.
Eu sento-me numa rocha ao entardecer.
À distância, ouve-se o som do riso;
Vozes masculinas, vozes femininas e uma música doce.
O suave tinir do vidro no vidro e na alegria.
Na minha cabeça, as fantasias de ser uma senhora do mundo continuam;
Imagens de um quarto quente,
e de pessoas a dançar nos braços umas das outras
o entusiasmo da festa inebria-me.
E todas as vezes que me lembro disso revisita-me uma voz suave
e o bafo quente que gentilmente me penteava o cabelo
sussurando em carícia divina.
E como se misturavam com o som do anoitecer
e a canção do pássaro solitário que a cantava algures de entre os verdes arvoredos -
Não estou certa, mas penso que era um cuco.
Apenas uma coisa permanece certa:
Nunca esquecerei aquelas palavras,
Nunca as esquecerei porque sempre me comandaram a vida,
tenho a certeza, nunca esquecerei aquele momento numa rocha ao anoitecer.

29 abril 2012

Roland Jooris (1936-)

SHIVER
The poem is not lonely.
It is self-willed. Sometimes I hear it
on the blunt water in the evening
like a sail in its turning white, a
light shiver we can’t use words
in, though they shift within ourselves. 

ARREPIO

O poema não está sozinho.
Tem uma vontade própria. Por vezes oiço-o
na água franca da noite
como uma vela na sua volta branca, um
ligeiro arrepio que não pode beneficiar
de palavras, apesar de elas mudarem dentro de nós.

28 abril 2012

Jimu Langge (1963-)

I Think of a Mistake


In the past, when going to my family’s home came up
I would feel an indescribable excitement
My family is from Leipo
My father said: this is your eldest uncle
she’s your cousin
You should call him uncle
Other than this
I’m fairly unfamiliar with the place

At the my family’s home
I got to know a young woman
No one explained how we were related
I hoped that she was my younger cousin
As the sun went down behind the mountains
She again confirmed for me that
Yi women are the most beautiful
Beneath the haystack, she told me that
Once she made a mistake
Her face went red at first
and then a bit pale
Maybe because night was falling
or maybe because of me, this supposed older cousin
from far away
she never did tell me
what that mistake was.

Penso num erro

No passado, quando chegava o momento 
de ir à minha casa de família
ficava indescritivelmente entusiasmado
A minha família é de Leipo
O meu pai dizia: Este é o teu tio mais velho
ela é tua prima
devias chamá-lo tio
Mais do que isto
o lugar já me é relativamente pouco familiar.

Na minha casa de família
cheguei a conhecer uma jovem mulher
ninguém explicou de que forma éramos família
desejei que fosse a minha prima mais nova
à medida que o sol se pôs por trás das montanhas
Mais uma vez confirmou-me que 
as mulheres Yi são as mais belas
Debaixo do fardo de palha, ela disse-me isso
Uma vez cometeu um erro
A sua face ficou vermelha primeiro
e depois um pouco pálida
Talvez porque a noite caía
ou talvez por minha causa, este suposto primo mais velho
de longe
ela nunca me disse
qual tinha sido o erro dela.

27 abril 2012

Andrea Cote (1981-)

MIEDO
Madre,
recógeme el sonido de la lluvia en el tejado del abuelo
cuéntame de las noches en que descubrí la sed por los acantilados
y de cómo desprendiste el fuego de la luz
para permitirnos en encuentro con nuestros primeros demonios.
Recuerda nuestra estancia eterna en los rincones de la casa
cuando aún llovían tardes grises en al arena
y la lluvia mohosa venía con abril
y todavía no tenía miedo. 

MEDO

Mãe,
lembra-me o som da chuva no telhado do avô
fala-me das noites em que descobri a sede pelas falésias
e de como desprendeste a luz do fogo
para permitir-nos o encontro com os nossos primeiros demónios.
Recorda-me a nossa estadia eterna nos cantos da casa
quando ainda choviam tardes cinzentas na areia
e a chuva bolorenta vinha com abril
e no entanto, eu não tinha medo.

26 abril 2012

Erín Moure (1955-)

Living Proof
And so, i took the temperature of the mouth.
And so, i took the temperature of the armpit.
Washing it first, patting it dry, closing
the arm to the body,
tucking the elbow where the waist is.

And so, i took the temperature of the anus,
bending my arm around my back
to do so.

Churchbells rang out, it was noon.
No-one was outside on the road.

Everywhere, everywhere, everywhere:
the same temperature. 

Prova viva

E então, medi a temperatura da boca.
E então, medi a temperatura do sovaco.
Primeiro lavando-o, depois secando-o com cuidado, 
aproximando o braço ao corpo,
arregaçando o cotovelo à altura da cintura.

E então, medi a temperatura do ânus,
dobrando o braço por trás das costas
para o fazer.

Os sinos da igreja soaram, era meio-dia.
Ninguém estava lá fora na estrada.

Em todo o lado, em todo o lado, em todo o lado:
a mesma temperatura.

25 abril 2012

Titos Patrikios (1928-)

ALLEGORY
When the oak tree fell
some cut a branch and stuck it in the ground
calling upon people to venerate the same tree,
others mourned in elegies
the lost forest their lost life,
others made collections of dried leaves
showed them at fairs made a living,
others asserted the harmfulness of deciduous trees
but disagreed about the kind of reforestation
or even the need for it,
others, including me, claimed that as long as there are
earth and seeds there’s the possibility of an oak.

The problem of water remains open.

ALEGORIA

Quando o carvalho caiu
alguns cortaram um galho e colocaram-no no chão
convidando as pessoas a venerar a mesma árvore,
outros choraram em elegias
a floresta perdida a sua vida perdida,
outros fizeram colecções de folhas secas
mostraram-nas em feiras para ganhar a vida,
outros afirmavam a nocividade de árvores de folha caduca
mas discordaram do tipo de reflorestamento
ou até mesmo mesma da sua necessidade,
outros, incluindo eu, alegaram que, enquanto
terra e as sementes a possibilidade de um carvalho.

O problema da água permanece em aberto.

24 abril 2012

António José Ponte (1964-)

Canción
Pasé un verano entero escuchando ese disco.
Para que la emoción no se le fuera
lo escuchaba una vez cada día.
Si me quedaba hambriento salía a caminar.

A su manera la luz cantaba esa canción,
la cantó el mar, la dijo
un pájaro.
Lo pensé en un momento:
todo me está pasando para que me enamore.

Luego se fue el verano.
El pájaro
más seco que la rama
no volvió a abrir el pico. 


Canção

Passei um verão inteiro a escutar esse disco.
Para que a emoção não se fosse
escutava-o uma vez cada dia.
Se ficava faminto saía a caminhar.

Da sua maneira, a luz cantava essa canção,
cantava-a o mar, dizia-a
um pássaro.
Pensei num momento:
tudo me está a fazer com que me enamore.

Logo se foi o verão.
O pássaro
mais seco que a rama
não voltou a abrir o bico. 

23 abril 2012

Yang Li (1965-)

This Poem Only Took Two Minutes To Write
it is now 3 o’clock in the morning tonight in Beijing they are moving people with SARS to Xiaotang Mountain, north of the city when I finished writing the above poem I walked over to a window and gazed down at the quiet Third Ring Road not knowing whether the moving was over or not

Este poema levou apenas dois minutos a escrever

são agora três da manhã esta noite em Beijing estão a deslocar pessoas com SARS para a montanha Xiaotang, a norte da cidade quando acabar de escrever este poema já terei caminhado até à janela e contemplado a sossegada Terceira Circular sem saber se a deslocalização terminou ou não

22 abril 2012

Orhan Veli Kanik (1914-1950)





POEM OF LONELINESS
 
Ones who don't live alone don't know
How much silence scares one;
How one talks to himself;
How one runs to mirrors,
Longing to a soul,
They don't know. 

POEMA DA SOLIDÃO

Os que não vivem sozinhos não sabem
como o silêncio pode amedrontar alguém;
Como alguém fala sozinho;
Como alguém corre aos espelhos,
desejando uma alma
que não conhece.

21 abril 2012

Ralph Waldo Emerson (1803-1882)

Success

To laugh often and much;
to win the respect of intelligent people
and the affection of children;
to earn the appreciation of honest critics
and endure the betrayal of false friends;
to appreciate beauty; to find the best in others;
to leave the world a bit better,
whether by a healthy child,
a garden patch
or a redeemed social condition;
to know even one life has breathed easier
because you have lived.
This is to have succeeded. 

Sucesso

Rir muito e de forma frequente;
ganhar o respeito de pessoas inteligentes
e o afecto das crianças;
conquistar o apreço de críticos honestos
e suportar a traição de falsos amigos;
apreciar a beleza; descobrir o melhor nos outros;
deixar o mundo um bocadinho melhor,
seja através de uma criança saudável,
um pedaço de jardim
ou uma condição social redimida;
saber que uma vida viveu melhor
porque tu viveste.
Isto significa ter tido sucesso.

20 abril 2012

Theodore Roethe (1908-1963)


I wake to sleep, and take my waking slow.
I feel my fate in what I cannot fear.
I learn by going where I have to go.
We think by feeling. What is there to know?
I hear my being dance from ear to ear.
I wake to sleep, and take my waking slow.
Of those so close beside me, which are you?
God bless the Ground! I shall walk softly there,
And learn by going where I have to go.
Light takes the Tree; but who can tell us how?
The lowly worm climbs up a winding stair;
I wake to sleep, and take my waking slow.
Great Nature has another thing to do
To you and me, so take the lively air,
And, lovely, learn by going where to go.
This shaking keeps me steady. I should know.
What falls away is always. And is near.
I wake to sleep, and take my waking slow.
I learn by going where I have to go.

Despertar

Acordo para dormir, e acordo devagar.
Sinto o meu destino naquilo que não temo.
Aprendo partindo para onde tenho de estar.
Nós pensamos por sentimentos. O que há mais para saber?
Oiço o meu ser dançando de orelha a orelha.
Acordo para dormir, e acordo devagar.
De entre os que me estão próximos, quem és tu?
Deus abençoe o chão! Caminharei suavemente por ali,
e aprenderei partindo para onde tenho de estar.
A luz incide na árvore; Mas quem nos pode dizer como?
A mínima minhoca sobe uma escada em espiral;
Acordo para dormir, e acordo devagar.
A Grande Natureza tem outra coisa a fazer-te
a ti e a mim, por isso respira o vivo ar,
e, meu caro, aprende indo onde tens de estar.
Este tremor mantém-me firme. Já devia saber.
O que se perde sempre existe. E está próximo.
Eu acordo para dormir, e acordo devagar.
Aprendo partindo para onde tenho de estar.

19 abril 2012

Roni Margulies (1955-)

THE SLIPPER
One day a few months ago
an old woman appeared
at the entrance of the underground station.
She was begging.

Her clothes were torn but white as white.
She reminded me of my grandmother:
her eyes full of fear,
her last days.

Each time I passed by her
I made a habit of saying ‘Good morning,’
and giving her some bread or money.
She never said a word.

The other day I tried to say more,
she looked, but obviously didn’t understand.
She took what I gave her,
turned her head the other way.

When I passed by yesterday,
she wasn’t at her usual place,
on the ground I saw a single slipper
in faded pink, sequined, on its left side

a blood-red plastic heart.
Tiny and glittering.
As if it would, at any moment
start beating. 
O CHINELO
Um dia, há alguns meses,
uma velha apareceu
na entrada da estação de metro.
Estava a pedir.
As suas roupas estavam rotas, mas brancas como o branco.
Ela lembrou-me da minha avó:
os seus olhos cheios de medo,
os seus últimos dias.
Criei o hábito de lhe dizer "Bom dia"
cada vez que passava por ela,
e de lhe dar pão ou dinheiro.
Ela nunca disse nada.
No outro dia, tentei dizer-lhe mais,
ela olhou, mas obviamente não percebeu.
Ela recebia o que lhe tinha para dar,
e virava a cara para o outro lado.
Quando por lá passei ontem,
ela não estava no lugar habitual,
no chão, eu vi um único chinelo
em rosa gasto, com lantejoulas, e do lado esquerdo
um coração vermelho vivo de plástico.
Pequeno e brilhante.
Como se fosse, a qualquer momento,
começar a bater.
 

18 abril 2012

Alfred Brendel (1931-)

Über mich selbst gebeugt
sehe ich
unscharf
mein fremdes Gesicht
Gefäß des Zweifels
Chronik des Vergessens
Mühlstein täuschender Erinnerung
über den der Atem des Wassers
gleichgültig hinwegzieht


Bent over myself
I see
the blurred outline
of an unfamiliar face
a vessel of doubt
chronicle of oblivion
millstone of fraudulent memory
casually washed over
by the water's breath 

Inclinado sobre mim próprio
observo
um esboço difuso
de uma face pouco familiar
uma embarcação de dúvida
crónica do esquecimento
mó da fradulenta memória
casualmente apagada
pelo fôlego da água.

17 abril 2012

Valzhyna Mort (1981-)

A Poem About White Apples
white apples, first apples of summer,
with skin as delicate as a baby’s,
crispy like white winter snow.
your smell won’t let me sleep,
this is how dead men
haunt their murderers’ dreams.
white apples,
this is how every july the earth
gets heavier under your weight.

and here only garbage smells like garbage . . .
and here only tears taste like salt . . .

we were picking them
like shells in green ocean gardens,
having just turned away from mothers’ breasts
we were learning
to get to the core of everything with our teeth.

so why are our teeth like cotton wool now . . .

white apples,
in black waters, the fishermen,
nursed by you, are drowning.

Um poema sobre Maçãs Brancas

Maçãs brancas, as primeiras do verão,
com a pele tão delicada quanto a de um bebé,
estaladiça como a da neve branca do inverno.
o teu cheiro não me deixa dormir,
é assim que os homens mortos
assombram os sonhos dos seus assassinos.
maçãs brancas,
é assim que a cada julho a terra
fica mais pesada deibaixo do teu peso.

e apenas aqui o lixo cheira a lixo...
e apenas aqui as lágrimas sabem a sal...

nós apanhámo-las
como conchas em jardins de verde oceano,
tendo sido afastados dos peitos das mães
aprendíamos
a chegar ao centro de tudo com os dentes.

porquê então estão os nossos dentes feitos em algodão...

maçãs brancas,
em águas escuras, os pescadores,
amamentados por ti, estão a afogar-se.

16 abril 2012

Maung Pyiyt Min (1953-)

A Bunch of 52 Keys
Lights
Camera
Action!

Let’s peep through the first keyhole.
This key doesn’t fit.
This one is too rusty.
Throw it away, far away.
This key is in Saturn.
Unhook all the red keys.
This one wrapped in rubber
Doesn’t show where it’s from.
A key will bend when upturned suddenly.
A key found on a street is never useful.
A useful key, you never find on a street.
Dukkha is a woman who has dropped her key.
You cannot open it with dukkha, only with a key.
Old keys, in bunches of four, three, two.
Leave this for the man with swine rabies.
Reserve these for others with a similar condition.
A car key for a car.
A free key for a free rider.
A key is not a toy.
Wait
Let’s begin at the beginning,
Let’s peep through the first keyhole.
This key doesn’t fit. 
Um conjunto de 52 chaves
Luzes
Câmara
Acção!
Vamos espreitar pela primeira fechadura.
Esta chave não serve.
Esta está muito ferrugenta.
Manda-a fora, para longe.
Esta chave está em Saturno.
Desenlaça todas as chaves vermelhas.
Esta está embrulhada em borracha
Não mostra de onde vem.
Uma chave irá dobrar quando for subitamente erguida.
Uma chave encontrada numa rua nunca é útil.
Uma chave útil nunca se encontra numa rua.
Dukkha é uma mulher que deixou cair a sua chave.
Não se pode abri-la com uma dukkha, só com uma chave.
Chaves velhas, em conjuntos de quatro, três, dois.
Deixa isso para o homem com febre suína.
Reserva estas para outros com uma doença similar.
Uma chave de um carro para um carro.
Uma chave livre para um viajante livre.
Uma chave não é um brinquedo.
Espera
Vamos começar no princípio,
Vamos espreitar pela primeira fechadura.
Esta chave não serve.

15 abril 2012

Marko Pogačar (1984-)

Backyard or the Axiom on Pain

Someone’s grilling fish.
the air sprinkled with roasted bay leaves is
sneaking into sails. no one has any intention of
sailing. in beds of parachute silk
the flesh waits for someone to flick his tongue. the one
grilling the fish must be
Toni. the deck is bursting with snails. sadness cannot stand
the shells breaking. so we cook only slugs.
sometimes we scratch
the surface with our fingernails and then until late in the night
we pick out splinters. the fortress of pain is a horse.
the purgatory of yearning is in rattlesnakes
and I don’t give a damn about
maniere. life is a dream.
ping-pong is art. if you really
want it. 
 
Quintal ou Axioma sobre a Dor
 
Alguém está a grelhar peixe.
O ar matizado de folhas de loureiro assadas 
está a esgueirar-se em velas. Em camas de seda de pára-quedas
a pele espera por alguém para chicotear a sua língua. Quem
grelha o peixe deve ser o
Toni. O convés está a rebentar de caracóis. A tristeza não suporta ver as conchas a partir. Por isso só cozinhamos lesmas.
Por vezes raspamos as superfícies com as nossas unhas e depois à noite, até tarde apanhamos lascas. A fortaleza da dor é um cavalo.
O purgatório do desejo está nas cascavéis
e eu não estou nem aí para a
maniere. A vida é um sonho.
O ping-pong é uma arte. Se realmente
o quisermos.

14 abril 2012

Elwyn Richardson (1922-)

Untitled   

The frightening of a flower: 
Bees' muscles singing.

Sem título

O susto de uma flor:
O canto dos músculos das abelhas.

13 abril 2012

Rae Armantrout (1947-)

Apartment

1

The woman on the mantel,
who doesn't much resemble me,
is holding a chainsaw
away from her body,
with a shocked smile,
while an undiscovered tumor
squats on her kidney.

2

The present
is a sentimental favorite,
with its heady mix
of grandiosity
and abjection,
truncated,
framed.

3

It's as if I'm subletting
a friend's apartment.
Even in the dream,
I'm trying to imagine
which friend.

And I'm trying to get
all my robes together,
robes I really own and
robes I don't

Apartamento

1

A mulher em cima da lareira,
que não se parece muito comigo,
está a segurar uma serra elétrica
afastada do corpo,
com um sorriso chocado,
enquanto um tumor não descoberto
se acomoda no seu rim.

2

o presente
é um favorito sentimental,
com sua mistura inebriante
de grandiosidade
e degradação,
truncado,
enquadrado.

3

É como se eu estivesse a subarrendar
apartamento de um amigo.
Mesmo num sonho,
Tento imaginar
que amigo.

E tento juntar todos os meus vestidos,
os que são meus e 
os que não são.

12 abril 2012

Robert Brodsky (1940-1996)

From Part of Speech, 1977

I was born and grew up in the Baltic marshland
by zinc-gray breakers that always marched on
in twos. Hence all rhymes, hence that wan flat voice
that ripples between them like hair still moist,
if it ripples at all. Propped on a pallid elbow,
the helix picks out of them no sea rumble
but a clap of canvas, of shutters, of hands, a kettle
on the burner, boiling - lastly, the seagull's metal
cry. What keeps hearts from falseness in this flat region
is that there is nowhere to hide and plenty of room for vision.
Only sounds needs echo and dreads its lack.
A glance is accustomed to no glance back.

De Part of Speech, 1977


Eu nasci e cresci nos pântanos do Báltico
ao lado de soldados cinza-azincados sempre marchando de dois
em dois. Daí todas as rimas, daí aquela voz monótona e abatida 
que ondula entre elas como o cabelo ainda húmido,
se ondula de todo. Apoiado num cotovelo pálido,
a hélice selecciona-os - nenhum rumor do mar
a não ser um aplauso de telas, ​​de persianas, de mãos, uma chaleira
no fogão, em ebulição - por último, o grito metálico das
gaivotas. O que mantém o coração afastado da falsidade nesta plana região
é que não há nada a esconder e muito espaço para a visão.
Apenas os sons precisam do eco e temem a sua falta.
Um olhar está acostumado a não ter um olhar de volta.


11 abril 2012

Ramsey Nasr (1974-)

Final chorus
 
it isn’t death that’s freezing you
it isn’t death that’s stifling you
it’s both of them and more
death’s a leg up into darkness
the EXIT sign read back to front
death is kind infinite kindness
compared to this lifeless
falling falling from the curtain
fall

and the seats are empty and the stage is small
and the curtain has no seam no edge at all 
 
Coro final
 
Não é a morte que te gela
não é a morte que te sufoca
são ambas e mais
a morte é uma perna adentrada na escuridão
a placa de SAÍDA lida de trás para a frente
a morte é bondosa infinitamente bondosa
comparada a esta ausência de vida
caindo caindo da cortina
caída
 
e os assentos estão vazios e o palco é pequeno
e a cortina não tem costura não tem qualquer borda.

09 abril 2012

Lynda Hull (1954-)


At Thirty

Whole years I knew only nights: automats
& damp streets, the Lower East Side steep

with narrow rooms where sleepers turn beneath
alien skies. I ran when doorways spoke

rife with smoke & zippers. But it was only the heart's
racketing flywheel stuttering I want, I want

until exhaustion, until I was a guest in the yoke
of my body by the last margin of land where the river

mingles with the sea & far off daylight whitens,
a rending & yielding I must kneel before, as

barges loose glittering mineral freight
& behind me façades gleam with pigeons

folding iridescent wings. Their voices echo
in my voice naming what is lost, what remains.

Aos trinta

Durante anos inteiros eu conheci apenas as noites: máquinas de vending
& ruas húmidas, o íngreme Lower East Side

com quartos estreitos, onde quem dorme anda às voltas
debaixo de céus alienígenas. Fugi quando as portas se abriram

repletas de fumo e fechos-éclair. Mas é só o barulho estrondoso
do volante do coração que eu quero, que eu quero

até a exaustão, até ser um convidado no jugo
do meu corpo até à última margem da terra onde o rio

se mistura com o mar e lá longe a luz do dia embranquece,
um desfazer e sucumbir perante os quais me devo ajoelhar, como

barcaças soltam brilhantes cargas minerais
e atrás de mim fachadas brilham com pombos

dobrando as asas iridescentes. As suas vozes ecoam
na minha voz nomeando o que se perdeu, o que resta.
 



08 abril 2012

Horacio Quiroga (1878-1937)


Noche de amor

Noche de amor. Bajo la sombra cómplice:
La ingenua tentación. En la arboleda
El motivo de vida va pecando
Como un ensueño de precoz histeria,
Hay quemantes sudores en las pieles:
Sorda germinación en las arterias;
Protestas en las curvas no labradas
Y en tu pupila audaz, francas ofertas.
La idealidad se tiñe de rubores
Como un pálido lirio, de vergüenzas:
En los lechos abiertos y manchados
Se tiende la pasión. La noche arquea
Su gran complicidad sobre la falta;
El lirio de tu sexo se doblega,
Y señala tu carne temblorosa
El índice fatal de mis torpezas.
¡Oh la sed de mis labios, cuyos besos
Recargan la intención que nos rodea!
¡Oh el carmín de tus labios, cuyo orgullo
Palidece al fulgor de tus caderas!
Dame tu cuerpo. Mi perdón de macho
Velará la extinción de tu pureza,
Como un fauno potente y pensativo
Sobre el derrumbe de una estatua griega.


Diciembre 14, 1899.

Noite de amor

Noite de amor. Sob a sombra cúmplice:
A tentação ingénua. Na floresta
a razão da vida vai pecando
como uma fantasia precoce de histeria,
Há suores queimando na pele:
Surda germinação nas artérias;
Protestos nas curvas não esculpidas
E na tua pupila audaz, francas oferendas.
 O ideal tinge-se de rubores
como um lírio pálido de vergonha:
Em leitos abertos e corados
ela tece a paixão. A noite arqueia
a sua grande cumplicidade na falta;
O lírio do teu sexo curva-se,
E marca a tua carne fremente
o indíce fatal das minhas torpezas.
Oh, a sede dos meus lábios, cujos beijos
Carregam a intenção que nos rodeia!
Oh, o vermelho dos teus lábios, cujo orgulho
Empalidece ao brilho dos teus quadris!
Dá-me o teu corpo. Meu perdão de macho
velará a extinção da tua pureza,
Como fauno portentoso e pensativo
No colapso de uma estátua grega.

07 abril 2012

Miroslav Holub (1923-1998)


Brief Reflection on the Test Tube

You take
a bit of fire, a bit of water,
a bit of rabbit or tree,
or any little piece of man,
you mix it, shake well, cork it up,
put it in a warm place, in darkness, in light, in frost,
leave it alone for awhile -
though things don't leave you alone -
and that's the whole point.

And then
you have a look – and it grows,
a little sea, a little volcano,
a little tree, a little heart, a little brain,
so small you don't hear it pleads
to be let out,
and that's the whole point, not to hear.

Then you go
and record it, all the minuses or
all the pluses, some with an exclamation-mark,
all the zeros, or all the numbers, some with an exclamation-mark,
and the point is that the test tube
is an instrument for changing question- into exclamation- marks,

And the point is
that for the moment you forget
you yourselves are

In the test tube.

Breve Reflexão sobre o tubo de ensaio

Pega-se
num pouco de fogo, num pouco de água,
num pedaço de coelho ou de árvore,
ou um qualquer pedacinho de Homem,
mexe-se, agita-se, enrolha-se,
pôe-se num lugar quente, na escuridão, à luz, no gelo,
isola-se por uns momentos -
apesar de as coisas nunca nos deixarem isoladas -
e é esse o objectivo.

E então
dá-se uma olhadela – e cresce,
um pequeno mar, um pequeno vulcão,
uma pequena árvore, um pequeno coração, um pequeno cérebro,
tão pequeno que não o ouvimos a pedir
que o deixemos sair,
e é esse o objectivo, não ouvi-lo.

Depois vai-se
e regista-se, todas as vantagens ou
todas as desvantagens, algumas com um ponto de exclamação
todo os zeros, ou todos os números, alguns com um ponto de exclamação,
e o objectivo é que o tubo de ensaio
seja um instrumento para mudar do ponto de interrogação para o ponto de exclamação

E o objectivo é
que nesse momento nos esqueçamos
que nós mesmo estamos

dentro do tubo de ensaio.